sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Aquele seu perfume

Agora há pouco, eu estava no metrô voltando do trabalho com a cabeça vagando a 10 km/h, devagarzinho quase parando. Estava passeando sem rumo por vários pensamentos sem sentidos, mas sem pressa, sem preocupação, apenas mexendo em algumas lembranças bobas a caminho de casa, pra me distrair. Eis que você, pra variar, arruina minha tranquilidade. Impressionante, até quando você nem tenta você consegue (ou pode ser que você tenha uma mente muito poderosa, mas acho que não).

Eu tava saindo do metrô, indo em direção às escadas e, de repente, me passa um cara com uma blusa quadriculada branca e azul parecidíssima com uma que você tem e ainda por cima usando o seu perfume. Ééé.., aquele mesmo perfume, de tantos anos atrás. Você se lembra daquela vez que ele acabou e eu fiquei mais chateada do que você? Tratei logo de encomendar um pra você quando a primeira amiga foi viajar.

Pois bem, me passa esse cara com o seu perfume, jogando o seu aroma por aí assim, como se tivesse esse direito! Minha vontade era ir atrás dele e sair cheirando-o por aí, mundo a fora, me embriagando do seu cheiro tão familiar, excitante e saudoso - imagina o que iam pensar de mim!
 
Sabe... acho que depois de tanta coisa, de tanto vai e vem (em todos os sentidos), de tanto remexermos nessa nossa história, você nem leva mais o que eu te digo a sério, né? Nem importa, tudo bem, o que a gente foi tem que ficar só na lembrança mesmo, já decidimos que assim é melhor... mesmo assim, tem dias que só quero sair correndo pra sua casa, me jogar nos seus braços, encaixar meu rosto no seu peito (nosso encaixe sempre foi tão bom, isso não tem como negar) e pedir pra você me proteger pra sempre nesse ninho - mesmo a gente sabendo que eu virei outra desde que descobri que tenho asas e aprendi como usá-las; e logo, logo decido voar mundo a fora, afinal não é pra isso que as temos?
 
Mas te amo, de coração. O seu lugar até hoje tem sido só seu e de mais ninguém.
 
Sabe de outra coisa? Eu sempre dizia por aí, mesmo depois de muito tempo terminados, que eu iria enlouquecer quando você namorasse outra pessoa. Meus amigos não entendiam: "então por que você não volta com ele de uma vez?". É, gente, também carrego em mim um bando de sentimentos ruins. O nome desse é possessão. Você foi meu, eu fui sua, muito, tanto, de verdade. Não queria que ninguém tascasse. Ficar tudo bem, transar sem problemas, fico até feliz por você, mas dizer "eu te amo" pra outra? Na-na-ni-na-não.
 
Parei pra pensar hoje e percebi que (finalmente) me libertei (ao menos) desse sentimento ruim. Quero que você seja feliz. Juro, é clichê, mas é verdade. Ás vezes os clichês são a melhor forma de falarmos o que sentimos. Dessa vez, falo pra valer. Antes, é verdade, existia a limitação de eu não querer que você encontrasse alguém legal. Podia até sair com uma ou outra legais, bonitas, mas não melhores que eu. Mas agora pode, vai fundo, você também merece. É claro que eu vou ficar mordidinha, mas não vou morrer nem nada. A gente tem mesmo é que se guardar pra sempre na nossa memória, num cantinho especial, e, depois disso, seguir em frente. Faço isso há anos com você - ainda que eu vá e volte depois, sempre vou - e hoje te alforrio por completo: vai ser feliz, meu bem.
 
Ah! Mas com uma condição: que ninguém use mais o seu perfume por aí, claro.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Carta entre sonhos

      



       Oi, netinha
 
       Resolvi passear hoje pelos seus sonhos porque senti que você tava precisando de um conforto especial; tinha que ser meu, não tava servindo de mais ninguém.
       Para começar, hoje, um pouco diferente de como era na época que eu ainda tava aí pela Terra, vou usar só palavras doces. É que eu mudei muito, sabe? Aprendi como as coisas realmente funcionam... mas isso eu não posso te contar, um dia você também vai entender os mistérios dessa vida.
       Apesar de estar mais suave, continuo o mesmo, Biribiu. Pode acreditar. Ainda sou rabugento, por sinal. É que por carta eu consigo canalizar as minhas forças melhor e selecionar apenas as palavras mais adequadas.
       Enfim, só estou passando por aqui pra te lembrar que a morte é muito pouco. Embora eu não possa te explicar detalhadamente e, daí, você nem possa entender a morte, estou te dando essa dica: é pouco; é bem menos do que a gente imagina.
       Por isso, não exite em sorrir sempre que pensar em mim, ainda sou eu, você apenas não me enxerga mais com seus olhos e cérebro terrenos. Mas você pode - e deve - se lembrar, pode e deve falar de mim sem tristeza, você sabe que eu não gosto disso. E, Bielle, que absurdo é esse de você estar achando que talvez a tristeza combine mesmo com você? Que combina que nada! Você fica muito mais bonita sorrindo, sapeca e engatinhando pelo chão igual uma máquina - bebê the flash - e soltando igual a uma gralha o primeiro nome que você falou: "Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho!Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho! Inho!". E tinha como ser outro?
       Já que você resolveu me dar tal honra ainda bebê, resolveu ser pentelhinha a infância inteira fugindo dos meus beijos e carinhos e querendo me enciumar indo beijar a Inha - você tinha que compensar a desfeita com ela também, né? Hahaha, mas está tudo certo, já passou.
       Sua doida, Biribiu fafado, tenho visto que você está sabendo se cuidar muito bem e queria te dizer que eu também estou me saindo muito bem. Queria só que você tentasse levar as coisas com mais leveza. Todo mundo sabe que você nunca se encontrou no Balé, então nem tem como eu pedir pra você virar uma pluma... se alguém pedir isso é porque não te conhece... e não é até que depois você foi se aventurar pelo mundo do circo? Quem diria!
       Mas tente balancear melhor.... misturar com essa sua intensidade um bocado de parcimônia. De vez em quando é bom, né? Só não quero que você sofra muito...
       Na verdade, pensando bem, o que eu quero é que você sofra, mas que sorria muito mais. Sofrimento também cai bem DE VEZ EM QUANDO. E a tristeza realmente não te cai mal, mas a questão é que a felicidade te cai muito melhor, minha Cachinhos Dourados.
       Não se esquece, está bem? Mande beijos e abraços saudosos para todo mundo, quero sentir todo mundo muito bem. Amo vocês.
       Continue tendo bons sonhos.
       Te envio, além de todos aqueles beijos melados dos quais um dia você fugiu de pirraça, um amontoado infinito de lembranças nossas e da nossa família pra você matar saudades, estampar um sorriso gostoso ao acordar e ficar com o gostinho de quero mais - porque não acabou.
       Até logo!
       Ainda preciso assinar? Piada, né.
 

terça-feira, 6 de novembro de 2012

nós

é aquele velho papo
de que quando a gente menos
espera
 
surge aquela leve falta de ar
cheia de despropósito
aquele frio na barriga
que você nem sabe donde vem
a vergonha e a graça,
repentinas
 
e já estamos envoltos
naquela vulnerabilidade,
nus,
à mostra,
presos por nós cegos,
poderosérrimos
 
que enlaçam
os amantes de ontem,
apaixonados de aujourd'hui
amarrados e prisioneiros
de nós
(mesmos)

(dife)lentes

hoje fui a primeira a levantar e resolvi aproveitar a raridade do episódio: deixei você na cama, dormindo todo troncho, todo bronco, espaçoso; de bruços e na diagonal. deixei você e fui saindo de mansinho, bem na ponta do pé.

eu tava planejando deixar um bilhete na geladeira com uma marca de beijo - é, daquelas bem bregas, eu sei. do batom de ontem à noite - aquele que você tanto gosta, sabe chéri?

mas, antes de sair do quarto... enquanto eu tava catando minhas roupas pelo chão - bagunça óbvia da paixão de algumas horas atrás -, vi sobre a sua escrivaninha os seus óculos charmant que eu tanto gosto. e deixei a breguice de lado e mudei de planos: coloquei seus óculos e fui me aventurar por aí.

acho que foi a ânsia de te conhecer mais que me moveu. queria ver tudo através das suas lentes; absolutamente tudo, chéri.

fui me perdendo por ruazelas; ruazelas que nunca existiram pra mim. acabei descobrindo uma nova cidade. e me apaixonando. por ela e por você. cada vez mais.

olha!!! essa simples formiga passando aqui pela calçada com as suas companheiras: ela tem cor, forma, tamanho e nitidez diversa das minhas! os montes, as praias, as pessoas... existe um mundo inteiro novo pra mim e só seu, bonito.

aí parei na esquina de uma dessas ruazelas, bem debaixo de uma árvore que denunciava que era outono. fiquei olhando as folhas caindo e e me benzendo toda. folhas benditas, benzendo o nosso amor.

comecei a fazer acrobacias na árvore, fingindo que os galhos eram um tecido acrobático e achando força de nem sei onde.

desci igual macaco - ou igual criança feliz, fique à vontade escolhendo a comparação que mais te agrada; sorriso de ponta à orelha, toda satisfeita..

era tudo tão diferente: quem de nós dois ve certo? e quem distorce? e quem se importa?

se nós dois falamos que o céu é azul e o seu azul é o meu vermelho.. quem se importa, chérie? se concordamos que noite passada tava frio e o seu frio é o meu calor, e daí?

a melhor parte do céu não continua sendo observá-lo com você entre beijo-mordidinhas? e a do frio, poder entrelaçar os pés e as almas naquele friozinho depois de um foundue esperto? e quando tá calor, não gostamos de tomar aquele banho frio no meio da tarde quando o termômetro caprichar?

o estranho pra mim é que você cura o seu calor - que você chama de frio - com foundue e amasso e o seu frio, com banho gelado no meio da tarde... quem se importa?

cada doido com a sua mania, não? cada doido com as suas cores. com suas sensações. e companhia.

me apressei em voltar pra sua casa e deixar o meu óculos em cima da sua escrivaninha pra você experimentar o meu mundo agora. topa, chéri?

vulto em pedaços

ontem à noite, o quarto tava meio sombrio. dormi com medo, contando carneirinhos e torcendo pra pegar logo no sono, pra me transportar pra um outro mundo, um mundo que não doesse. um mundo em que os risos macabros imaginários e os toques fantasmagóricos alucinógenos não me torturassem. de repente, pelo menos ontem, eu acho que o papai do céu olhou por mim e então me fez cair no sono, ainda que temporário. mas sonhei com você, mulher bonita e arrepiante. na verdade, nunca pude ver seu rosto, só vejo o vulto, mas sinto a sua beleza, ela me toma toda. e até uma certa alegria, sabia? engraçado, não foi nenhum pouco medonho sonhar com o seu vulto. não foi a primeira vez e acho que está ficando cada vez melhor. o quarto é vermelho sangue, as luzes estão um pouco apagadas e o vulto passa. uma. duas. três vezes. não me amedronta. é que você é quase feliz. um vulto feliz. acho isso engraçado. é que, quando criança, filha única, medrosa, eu costumava ver vultos. morria de medo, como você pode imaginar. então cresci ligando uma coisa à outra: o medo e os vultos. acontece, né. ah, esqueci de explicar. desculpa, eu sempre me embaralho com as palavras - não só com elas, mas também com todo o resto. eu disse que você parece quase feliz. sabe por que quase? é que eu sinto uma coisa quebrada em você. pelo visto, não é um quebradinho qualquer. e você deu uma meia dúzia de remendos que costumamos dar em nós mesmos, sabe? é normal, você não é a única. só que, moça, acho que tá na hora de tentar consertar... chama um técnico logo! ou uma costureira, um eletricista, um psicólogo... nem que seja um faz-tudo, alguém tem que resolver! seu remendo não deve segurar por muito tempo. eu, que nem te conheço, que nunca fui apresentada a você, acessei a sua dor em 3 quase-aparições suas - nem aparições foram, né, afinal você é um vulto, só saiu correndo, bem rápido. não dava nem pra ver o seu semblante direito, você não tinha foco algum. só notei uma silhueta humana, quase toda escura, negra. a única parte distinguível era o rosto, um cinza claro esbranquiçado. mas não sei direito, você passou rápido demais. era pra ser assustador, moça, eu sei, mas eu te entendo.  acho que você não tá acostumada a não causar medo nos outros, não é? presta atenção, vou deixar essa carta aqui do lado do meu travesseiro - é que suspeito que você me visite de tempos em tempos. se você chegar a ler, espero que aceite meu convite pra uma aparição mais lenta, menos desfalcada. pode ser? quem sabe eu te ajudo a colar a sua parte quebrada.. e você? você pode me fazer parar de ter medo do escuro, ainda que acordada. ia ser ótimo nunca mais ter que apelar para os carneirinhos..

carcaça

pensava ter cansado
de ser triste
mas acho que afinal estava enganada

quem sabe a tristeza
não cai mesmo bem em mim?

acho que sou uma carcaça de gente
sobrevivendo como posso
cada vez mais ciente
das patologias
(minhas e do entorno)
transbordando dos tantos diálogos
religiosamente diários
entre eu e mim mesma
tudo interno, aqui
sem soltar um som sequer
no máximo aquele clássico "não é, gato?"
quando um dos meus filhos felinos me observam
preocupados
como se entendessem a complexidade de tudo isso

sou um arcabouço,
um esqueleto
uma armação completamente vazia..
nem sei de onde vem o
         fô-
     lê-

e os batimentos cardíacos

sou aquele calabouço triste dos meus sonhos
negro que só ele
de uns 50 mil metros de profundidade..
cheio de falhas
e abandonado

uma carcaça que ninguém nunca conheceu
que aprodrece mais de hora em hora
e passa pelos rostos alheios
como o grão de areia voa pelo vento:
quase imperceptível